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ALFABETIZAR
   LETRANDO 
       
                      
                    
   Patrícia Corsino 
Alfabetização
   não tem receita, mas tem princípios 
Aderir na
   alfabetização a uma proposta de construção de conhecimento é
   assumir que não existe um método para ser seguido passo a passo,
   que não é preciso começar pelo mais fácil para se chegar ao
   mais difícil, que o texto é a base para o trabalho e que cada
   aluno pensa sobre a língua e a reconstrói. Essa mudança de
   paradigma nos deixa inseguros, achando, muitas vezes, que o aluno
   tem que caminhar sozinho sem a nossa intervenção. Ficamos sem
   saber se podemos ou não usar antigos procedimentos, buscamos
   sugestões, querendo encontrar receitas, experimentamos sem
   convicção, nos horrorizamos diante dos erros das escritas
   espontâneas dos alunos, pensando que eles não vão se
   alfabetizar direito. Diante do novo, nos esquecemos que o processo
   de construção não é só da criança, mas que é nosso também
   e que o fato de não haver uma receita pronta para alfabetizar não
   significa que não tenhamos objetivos claros e princípios
   básicos. 
Aqui vão
   então, alguns princípios para você pensar numa alfabetização
   sem receita e buscar a sua receita para a alfabetização da sua
   turma: 
1) Se
   aprende a ler e a escrever se relacionando diariamente com textos
   escritos, ouvindo leituras variadas, observando e refletindo sobre
   as produções escritas, lendo e produzindo seus próprios
   textos.  
Um ambiente
   alfabetizador não é um lugar cheio de coisas escritas, expostas
   nas paredes. É um espaço aberto às diferentes linguagens (oral,
   escrita, corporal, gráfica etc). É um lugar onde as pessoas
   possam dialogar com diferentes tipos de textos, que tenha,
   portanto, muita fala, muita leitura feita por você e pelos
   alunos, onde os textos escritos possam ser vistos, observados e
   produzidos coletivamente, individualmente e em pequenos grupos,
   mas sempre inseridos em situações e práticas significativas
   para o grupo. 
2) A leitura
   é um processo de interação do sujeito com o texto. Portanto, o
   sentido do que é lido é fundamental. 
Por exemplo,
   na frase: Comer uva de manhã é fundamental. A frase está
   correta, mas será mesmo fundamental comer uva de manhã? Faz
   sentido para  o grupo e em que situações? Quando surgir em
   sala uma frase como esta, deve ser motivo de debate com o grupo
   todo. 
Você nunca
   deve se esquecer que ler e escrever é interagir com o texto e com
   a vida. Não só você deve interagir com os textos que surgirem
   em sala. Palavras e frases devem ter sempre um por que para além
   da decifração e da codificação.  
3) Os textos
   escritos devem aparecer em sala servindo a muitos usos e exercendo
   diferentes funções. 
A escrita
   foi feita para a gente se comunicar se informar, se expressar, não
   esquecer etc. Ela exerce diferentes funções na vida social e
   cada grupo tem suas práticas de leitura e de escrita. A escrita
   não é um artefato ou um mero recurso. Por isso, mesmo numa
   classe de alfabetização, os textos não devem aparecer apenas
   com a finalidade de ensinar a ler e a escrever. Eles devem exercer
   funções reais, que façam parte do cotidiano da escola e que
   ampliem as práticas vividas pelas crianças. Seja criativa (o)
   aproveite as discussões e fatos relevantes para o grupo e faça
   álbuns, cartazes, cartas, receitas, livros, avisos... 
4) Palavras,
   frases e textos devem aparecer de forma significativa, dentro de
   uma situação vivida pelo sujeito.  
Não devemos
   escrever palavras soltas ou frases que não tem nada a ver com uma
   situação vivida pelo grupo. Por isso, é muito importante o
   trabalho com o nome deles, a presença diária de um momento de se
   contar histórias e fatos que aconteceram, o registro coletivo de
   experiências, observações, passeios etc, que sirva de
   referência para as crianças refletirem sobre a língua escrita. 
5) Livros
   didáticos, quadro de giz, caderno e folhas mimeografadas são
   recursos que o professor tem para dar aula, mas não são os
   únicos. 
Por isso
   planejamos o trabalho. Pensamos antes no que vamos fazer e como
   vamos fazer, organizamos recursos e materiais, fazemos uma
   previsão de duração da atividade e avaliamos. Podemos propor
   exercícios a serem feitos pelos alunos, eles são importantes
   para a sistematização do trabalho, mas precisamos ter alguns
   cuidados: 
a) os
   exercícios são parte da aula e não a aula. São momentos
   individuais ou em grupo que cada aluno vai ter a oportunidade de
   sedimentar o que foi trabalhado ou vivido no coletivo; 
b) nem todas
   as crianças precisam fazer os mesmos trabalhos na mesma hora.
   Eles podem ser diferentes para atender as diferenças individuais.
   Podem conter propostas de várias áreas organizadas nos “cantos”
   de atividade; 
c) os
   exercícios devem ser desafiadores e não meros passatempos; 
d) eles
   devem ser organizados com a letra bem visível e bem traçada. Os
   diferentes espaços devem ser delimitados adequadamente (enunciado
   lugar onde a criança vai escrever e desenhar); 
e) os
   enunciados devem ser claros e objetivos. Elabore os enunciados com
   cuidado, pois é preciso que todos (alunos e pais) tenham clareza
   do que é para fazer; 
f) o que
   você escreve serve de modelo para os alunos. Se o modelo for
   organizado, a produção tem mais chance de também ser e você
   pode “cobrar” dos alunos a organização. Se o modelo for
   bagunçado como exigir a organização dos alunos?O quadro de giz,
   o mural, os trabalhos, os materiais em geral devem ser organizados
   e bem apresentados. Pois, como diz o poeta Vinícius de Moraes, a
   beleza é fundamental; 
g) as
   crianças aprendem a usar o caderno com o professor. Cabe a você
   ensinar a colocar data, pular linha, abrir espaço para o
   desenho... 
h) o caderno
   deve ser uma espécie de álbum de fotografia, mostrando as
   conquistas, os desenhos, as produções em geral. Pode ter folhas
   coladas, cartas dobradas dentro de envelopes, recados, lembretes,
   figuras, enfim, lê pode ser lindo e isso depende também de você; 
i) uns
   alunos podem e devem ajudar os outros. Além de se tornarem mais
   solidários, aprendem muito entre eles e isso deve ser
   aproveitado. Revezar papéis é super interessante: um dita, o
   outro escreve, um terceiro revisa, o outro desenha e... 
j) os
   exercícios e materiais devem fazer parte da aula como um processo
   contínuo integrado. Não devem aparecer soltos e
   descontextualizados ou servirem apenas para a análise de
   palavras, letras e sons. Qualquer exercício (no quadro, no livro
   ou em folhas mimeografadas) ou jogo, que for levado para a turma,
   precisa estar relacionado às aulas, aos temas trabalhados e as
   dificuldades da língua que estão sendo apresentadas. Mandar
   abrir o livro na pagina tal ou copiar o que você escreveu no
   quadro, sem um trabalho anterior, é muito restrito e
   empobrecedor. 
6) A aula
   deve ser planejada de forma que alterne: atividades coletivas com
   atividades individuais, em duplas ou em pequenos grupos;
   atividades de leitura, atenção, reflexão ou ação com
   atividades de registro (produção); atividades de mesa com as de
   chão e as de mais movimento com as de mais atenção. 
Uma sala de
   aula deve ser antes de tudo um espaço produtivo, alegre vivo.
   Crianças precisam se mexer, de produzir, de criar, de brincar, de
   falar, de atenção... Pense no pulsar do nosso coração. A sala
   também tem que ter um pulso. Este revezamento é que vai dar
   ritmo ao trabalho. Cada grupo deve encontrar o seu pulso. A
   bagunça, a indisciplina é justamente o desencontro entre os
   diferentes ritmos. Crianças que já acabaram e que não tem o que
   fazer crianças que se levantam porque estão cansadas, crianças
   que disputam objetos e afetos... 
7) A
   indisciplina é uma questão de ponto de vista. Crianças
   discutindo sobre um trabalho, levantando para pegar um livro ou um
   material, falando alto porque está negociando, tirando dúvidas
   com um amigo, torcendo num jogo, tudo isso não é indisciplina, é
   trabalho produtivo. 
8)Todos os
   dias é importante que a criança participe: 
§ de
   atividades que exijam autonomia de pensamento; 
§ de
   atividades coletivas, onde você fale, explique, mas também abra
   um espaço para cada um falar, se posicionar, mostrar seu
   pensamento e conhecimento; 
§ de
   atividades individuais ou em pequenos grupos onde possam ler,
   escrever, jogar, pesquisar, resolver um problema, aplicando e
   ampliando a experiência vivida no coletivo; 
§ de
   produções de texto de escrita espontânea. Evite a cópia pala
   cópia. Ela precisa descobrir que a escrita sai de dentro para
   fora, que é uma construção, copiar não garante a aprendizagem
   da escrita; 
§ de
   atividades de reflexão sobre a língua escrita, questionando suas
   hipóteses, observando a escrita convencional, descobrindo regras; 
§ de jogos
   e brincadeiras, dirigidos ou não; 
§ de
   atividades criativas, usando os mais diferentes recursos e
   materiais para se expressar; 
§ da
   organização do planejamento e da arrumação da sala de aula,
   exercendo a função que lhe foi atribuída no coletivo. 
9) A sala de
   aula deve ter um acervo de texto bem legível e de fácil acesso
   para as crianças pesquisarem com autonomia. Acervo de letras,
   números, nomes dos amigos da turma, títulos de murais, histórias
   coletivas, registro de experiências etc. 
Os textos
   trabalhados coletivamente devem ser ilustrados e fixados no mural
   ou organizados em forma de blocão, de livros ou de arquivos com o
   que foi explorado destacado (palavra, sílaba, letra inicial) para
   que a criança possa ter referencias para pesquisar sozinha. As
   fichas dos nomes dos alunos devem estar bem visíveis. Os murais
   devem ter títulos explicativos, elaborados junto com a turma. 
10) Como um
   sistema de representação a escrita tem suas características
   próprias, bem diferentes das da linguagem oral. 
É
   importante que as crianças, aos poucos, percebam as
   características específicas da língua escrita. Conhecer suas
   regras próprias, saber o que é uma palavra, uma frase, qual é a
   função do espaçamento e dos sinais de pontuação, saber que a
   gente fala de um jeito e escreve de outro é um processo que vai
   sendo construído na medida em que as crianças vão tendo a
   oportunidade de conviver, pensar e refletir sobre a língua
   escrita.  
11) Existem
   características da língua escrita que a criança constrói e
   outras que ela precisa das informações de um usuário mais
   competente. Não negar informações às crianças, mas também
   não exagerar querendo atropelar o processo. 
É
   importante você saber o que a criança pode e deve construir
   sozinha (ou com os seus pares mais experientes) e o que você vai
   precisar informá-la. Como exemplos de informações que a criança
   precisa saber podemos citar: o sentido e a direção da escrita
   (da esquerda para direita e de cima para baixo), o nome das letras
   e a correspondência entre os diferentes tipos de letra (A=a),
   usos dos sinais de pontuação, regras de acentuação gráfica
   etc. Porém, algumas regularidades da língua, regras de letra
   maiúscula, a organização espacial (forma) e conteúdo
   característico de cada tipo de texto podem ser grandes
   descobertas se você elaborar questões desafiadoras, se você
   deixar as crianças observarem, refletirem e chegarem a algumas
   conclusões. Não se trata de dar a regra pronta, mas criar
   condições para que elas sejam descobertas e compreendidas. Pois,
   informar não é dar uma aula sobre um determinado assunto, é ir
   explicando na medida em que a própria criança vai perguntando.
   Cabendo, também, perguntas, desafios, reflexões individuais e
   coletivas sobre as produções, situações criadas para a criança
   pensar e estabelecer relações entre as informações que você
   está dando e as que ela já tem. No processo de alfabetização é
   preciso ter cuidado tanto com o excesso de informações, quanto
   com as omissões. 
12) Na
   alfabetização é importante perceber o erro da criança como um
   processo construtivo e não como uma falha. 
Você deve
   olhar as produções dos alunos pesquisando, procurando entender a
   lógica que está subjacente, descobrindo pistas para compreender
   o seu processo. Estudos e trocas com as outras (os) professoras
   (res) e com a orientação pedagógica podem ajudar muito.  
13) Contar
   muitas histórias, sem compromisso com o que fazer depois, com um
   único objetivo de deixar as crianças viajarem na imaginação,
   devolvendo à linguagem o seu lado expressivo, é uma das grandes
   maneiras de se formar sujeitos criativos e autônomos. 
A formação
   de um leitor ativo e de um competente autor de textos, também
   depende de você, do seu envolvimento com a leitura e com a
   escrita. Leia para a turma histórias que você goste, recite
   poemas, descubra autores, estilos e gêneros literários. Quando
   você empresta sua voz ao texto tem que ser por inteiro, fazendo
   as crianças entrarem no mundo ficcional e no jogo dos ritmos,
   sons e significados, descobrindo o lado expressivo, sensível e
   artístico da língua escrita. Segundo José Paulo Paes, as
   narrativas em prosa, com personagens, peripécias e desfechos,
   estimulam os mecanismos de identificação imaginativa. Durante a
   leitura de uma história a criança se enfia na pele dos heróis e
   vive com eles, e por eles, a aventura narrada. Já a poesia tende
   a chamar a atenção da criança para as surpresas que podem estar
   escondidas na língua que ela fala todos os dias sem se dar conta.
   Em prosa ou em verso a literatura possibilita muitas
   aprendizagens. É preciso nos deixar encantar para aprender com
   ela. 
Se você
   ainda não descobriu as janelas e portas que se abrem a partir da
   leitura, nunca é tarde. Não tenho dúvida que este ingrediente
   vai dar sabor especial à receita que buscamos.  | 
Relatos,fotos, ideias e reflexões sobre a VIDA COM JESUS E A EDUCAÇÃO; "Eu creio em Jesus como meu Senhor e Salvador"
